quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Volta




Frio, sinto tanto frio
Para onde escapou o calor
Que aconteceu com todo esse amor?

Meu coração vibrava em plena luz
Agora reflecte a cruel ironia
Da vida passageira e fria

Volta, volta para mim calor
Suave entorpecimento
Abençoado esquecimento

Mas foste perdido ou fui rejeitada?
Fui julgada indigna?
Fui amaldiçoada?

Quero sentir
Não me será concedido
Quero viver
O meu espírito está perdido

Rujo sim no interior
O meu exterior é concha oca
Odeio as palavras na minha boca
São futéis e exuberantes
Não merecem militantes

No conforto da noite peço com ardor
Rogo pela volta do calor
Do precioso sentir
Antes do som do meu coração a partir

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Gota, a gota


Gota, a gota, o líquido bate no fundo do frasco.
Gota, a gota, até que toque o gargalo.
E seus olhos não desfocam da suave imagem do líquido vermelho intenso que beija o suave cristal azul, cor do oceano profundo.
Da doce tarefa que se impôs poucas gotas é tudo o que resta. Sim, é doce e justa, necessária após a fatídica noite em que ele lhe feriu a pele e trespassou a alma. Não sendo capaz de satisfazer a sua vingança no causador da sua ferida, outros como ele pagariam a amarga dívida de se atravessar no seu caminho.
Sim, e gota a gota encheria o frasco até que esse sangue contaminado pela podridão do espírito do seu senhor viesse satisfazer a sua mágoa e finalizar o seu propósito.
Bela como o sol de Inverno e formosa como uma pintura saída da mão do mestre, brinca com os corações com a habilidade que a costureira impõe na sua arte. Oferece o leito mas nunca a si mesma, pois aquele que a teve fê-la jurar que seria o último. Ela caminha, sozinha, pelas ruas frias e cinzentas, para levar a sua arte aos covis da maldade exercendo a sua sede de vingança nos ignorantes alvos. Ah, se eles soubessem entenderiam, mas ela nunca lhes daria essa misericórdia.
E prosseguia, nunca satisfeita até que, gota, a gota, o fluído beije o gargalo e a sua dor jaza enterrada com o suave cristal azul, cor do oceano profundo, para sempre carregado do seu vil conteúdo.

Amor Negro



Bela, pura e angelical.
Sua pele de alabastro reluzia com a luz do luar. Lábios encarnados como sangue manchavam a pureza do seu rosto, cinzelado parecia, por mão de hábil homem. No mar dos seus olhos perdia-se o mortal, cativo da beleza selvagem e fatal que exalavam. Cabelos longos, negros, lisos emolduravam o seu rosto e desciam até tocar o seu regaço. Assim, como a escuridão dos seus cabelos, o manto que trazia à sua volta envolvia-a da mesma forma que a noite pairava no mundo.
Montando no seu cavalo forte, da cor da terra fértil, os seus lábios tocavam-se suavemente enquanto murmurava em língua estranha e finas cortinas de lágrimas deslizavam por ambas as faces. Ele não podia entender as suas palavras mas sentia. A dor presente em cada entoação da sua voz que inflamava a sua alma da mesma forma que a dela latejava. A sua voz misturava-se com a doce brisa do bosque. Aproximava-se trazendo-lhe além dos cheiros familiares, a pinho e a terra fresca, o odor de sal, mar, areia fresca e algas toldava-lhe os sentidos.
Parou. Desceu do cavalo e os seus olhos penetraram na sua alma sugando tudo o que havia até só existir o presente, só sentir a ondear do vento no rosto, o cheiro dela, o coração batendo descompassado, o seu toque…
Como num sonho demasiado real, os seus lábios tocaram-se. Podia sentir a sua pele húmida das lágrimas que ainda escorriam como grossas pérolas. Ela ainda murmurava naquele idioma desconhecido. Mas depressa reconheceu aquelas doces palavras . Ela suspirava o seu nome e pedia: “volta a mim”. Ele morreu naquele momento e reviveu de novo. Contemplou-a sem a névoa que esbatia a sua figura. Sem ver a carne, saboreando a sua alma. Amou-a. Lembrando quem era levou-a consigo até à possante montada.
Tomando-a nos braços perderam-se por entre a névoa daquela noite negra, onde sobre as copas das árvores ainda resplandecia o luar prateado.